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segunda-feira, 7 de março de 2011

Concílio Vaticano II: Um jovem de 45 anos!

Por Pe. Leonardo de Sales.

Há quarenta e cinco anos, no dia 8 de dezembro de 1965, se dava na Basílica de São Pedro na cidade eterna, Roma, a clausura desse magno evento eclesial do século passado: o Concílio Ecumênico Vaticano II. Este acontecimento merece a atenção da comunidade eclesial e da reflexão teológica. Estamos, pois, comemorando 45 anos desse grande acontecimento sobre o qual nem a Igreja nem a Teologia podem cometer o pecado de silenciar. Tal comemoração justifica o destaque que lhe é dado neste número do nosso jornal diocesano o “Informando”. A pedido do seu editor, o seminarista Rômerson de S. Almeida, apresento aos leitores este artigo.

Numa perspectiva histórica ampla, quarenta e cinco anos é tempo irrisório, pelo horizonte limitado que apresenta. E, contudo, foram quatro décadas e meia, decisivas para captar a significação do Vaticano II como acontecimento eclesial. Tempo da primeira recepção. Tempo necessário para que o impacto inicial do Concílio pudesse repercutir na comunidade eclesial, fosse assimilado, e operasse aos poucos a indispensável reorganização da vida da Igreja em todas as suas dimensões. Por isso mesmo, período de tensões entre o velho e o novo. Tempo suficiente também para revelar as resistências que sua recepção iria encontrar. E, desde modo, momento crítico para o que poderá ser o futuro do Vaticano II.

Não é este o lugar de fazer um balanço do que foi essa primeira recepção. A história nos ensina como são delicados e importantes os tempos que seguem a todo Concílio. Delicados porque neles está em jogo não só a “aplicação” de alguns decretos e conclusões, mas a “assimilação” de um modo de ser novo. E importantes porque neles se decide, através de tensões e confrontos, o destino de um Concílio e o que significará no futuro da vida eclesial. Das formas mais diversas, todo Concílio é um confronto entre duas maneiras de entender o cristianismo. E o Vaticano II não foi exceção. O confronto entre duas eclesiologias poderia ser entendido igualmente ao confronto entre duas concepções da revelação, duas maneiras de entender a tradição, a liturgia, etc. e, finalmente, duas maneiras de entender a relação entre a Igreja e o mundo. O fato de o Concílio não se ter expressado em decretos e declarações dogmáticas torna mais evidente esse confronto. Por isso, a recepção do Vaticano II – como toda recepção – não é uma mera questão jurídica, mas um problema teológico; questão de ‘espírito” e do “Espírito”.

As tensões dos primeiros tempos pós-conciliares são inevitáveis e exigem muito discernimento. Porque nem sempre têm a sua origem no Concílio. É o caso do Vaticano II. Muito cedo as dificuldades, que foram surgindo depois do Concílio, foram atribuídas ao Concílio. Mas só uma memória muito curta poderia culpabilizar o Concílio por uma “crise” que tinha as suas causas muito antes e em muitos lugares, mesmo que ficássemos só no âmbito intra-eclesial. Desde a crise modernista até as resistências ao ecumenismo, passando pelo problema dos padres operários, a “nouvelle théologie” (a nova teologia) e as dificuldades enfrentadas pelo movimento bíblico e litúrgico, a Igreja pré-conciliar viveu de sobressalto em sobressalto. Por isso, identificar o pós-Concílio com a crise é idealizar o pré-Concílio como um tempo de serenidade que nunca existiu.

Parece cada vez mais claro que a intenção de João XXIII ao convocar o Concílio era reconciliar a Igreja com o mundo moderno, ou seja, pensar aquele “presente” à luz da grande Tradição e do Evangelho. O que implicitamente significava uma tomada de posição com relação ao domínio absoluto da “pequena tradição”, mesmo várias vezes centenária. Só uma lúcida sintonia da assembléia conciliar com essa proposta pode explicar os rumos inesperados do Concílio diante do que eram os projetos das comissões preparatórias.

Um juízo histórico mais sereno e objetivo é condição indispensável para reconhecermos que esse foi o objetivo do Vaticano II. Quarenta e cinco anos depois, num horizonte religioso, social e cultural profundamente diferente, é-nós, talvez, mais fácil superar a tentação de ver no Concílio a origem de todos os males. Só assim poderemos recuperar a sua “memória” verdadeira e assumir responsavelmente o seu legado. Sem cair na sutil tentação de domesticá-lo. E muito menos de esvaziar abertamente o seu “espírito”. Estaríamos trabalhando assim para que o que Yves Congar chamou a “re-recepção” do Concílio, ou seja, uma “segunda recepção”.

Segunda recepção porque ela se faz num outro contexto, sob outra luz e diante de outros desafios. Mas ela pressupõe que exista inegavelmente um “espírito” do Concílio. Espírito que certamente não se esgota na letra, nem pode ser deixado à arbitrariedade das interpretações subjetivas, com também não pode ser reivindicado em exclusividade por uma única interpretação autoritátiva. Esse “espírito” deve ser buscado na totalidade do acontecimento conciliar: desde o anúncio de João XXIII, e o que eram as suas preocupações, até a primavera pentecostal que foi o seu resultado final, passando pelas tensões e confrontos através de tudo isso que o Espírito se foi manifestando. Nessa totalidade e em cada um dos documentos deve ser resgatado esse “espírito”.

E onde há espírito há dinamismo. O Concílio não pode ser lido como um depósito de verdades, como um “tesário” de frases com as quais tudo pode ser provado. Aos moldes dos manuais antigos de doutrina. O espírito do Concílio exige que ele seja interpretado de maneira aberta. E a direção dessa abertura nós é dada pelo que foi a intenção do Concílio, pelo que ele quis ser e fazer, pelo que ele de fato mudou.

O Pe. Oscar Beozzo, historiador de renome, que é do nosso clero de Lins, nos diz sobre a produção do Concílio: foram aprovados 16 documentos conciliares, entre constituições (quatro), decretos (nove) e declarações (três).

O Concílio foi uma verdadeira “revolução copernicana”, pela qual se abandonava uma concepção de revelação, como depósito fixo e imutável de verdades, para uma concepção hermêneutica, que ousava interpretá-la para o homem e a mulher de hoje levando em conta as suas experiências mais significativas. É dentro dessa mudança de perspectiva que se opera a transformação da chamada “minoria” conciliar em “maioria”. E, por outro lado, a resistência que encontraria esse “novo espírito”.

Por isso, o Concílio foi tão desconcertante para muitos. Ao se apresentar como “pastoral”, ele apontava para o que estava em jogo: não o combate de quaisquer heresias, nem uma tomada de posição num debate dogmático, mas um modelo de catolicismo, o tridentino, com tudo o que ele significava, tanto para a vida interna da Igreja como para as suas relações com o mundo. E esse foi de fato o cerne da questão nestes quarenta e cinco anos pós-conciliares. Como é também o desafio que se apresenta nesta segunda recepção.

Quarenta e cinco anos de Concílio. É pouco mais do que o tempo de duas gerações. Mas ele envolve, de maneira diferente, três gerações. Lentamente vai saindo de cena a geração dos protagonistas, dos que viveram por dentro o acontecimento. E, com ela, o aspecto agônico do Concílio, as marcas do confronto entre duas mentalidades que ficaram inscritas nos textos e se fizeram sentir também no tempo pós-conciliar. A herança do Concílio passa cada vez mais às mãos daqueles que foram testemunhas admiradas do dinamismo que aquele sopro do Espírito despertou na Igreja. É a geração dos que sabem por experiência em que consistiu a virada epocal do Concílio. E, por isso, poderíamos dizer, a geração que o pôs em prática e a que mais sentiu as tensões pós-conciliares, para os quais o Vaticano II é, sobretudo um fato do passado.

Há ainda uma geração dos que desconhecem com freqüência o Vaticano II e, de qualquer forma, o tem como in-significante. Por que se preocupariam em saber o que está em jogo com a sua recepção? Como todos os “pós”, vivem de resultados por outros conquistados e de valores pelos quais nunca lutaram.

O momento histórico e eclesial que vivemos exige de nós uma segunda recepção do Vaticano II. Ele se nos apresenta como a maneira responsável de recolher e levar adiante o legado do Concílio. As novas gerações, às quais é confiada esta tradição, representam a consciência viva da comunidade eclesial, com as suas exigências e expectativas. Essa é uma das condições de uma autêntica recepção. Mas ela pressupõe que se resgate a “memória” integral do que foi e quis ser o Concílio como acontecimento do Espírito de Deus. Porque tal memória é a condição indispensável para que a transmissão não seja traição ao “espírito”.

À nossa geração de pós-conciliares cabe a árdua tarefa de nos apropriarmos com responsabilidade e zelo do que quis significar o evento do Vaticano II. Lavar até as últimas conseqüências esta conquista significará para a nossa geração: tomar consciência do que poderíamos chamar a nova “condição cristã” no mundo; elaborar uma teologia e uma espiritualidade conseqüentes, capazes de sustentá-la, e criar e pôr em prática um conjunto de estruturas coerentes nas quais possa ser  traduzida essa nova vida.

Daí podemos concluir, sobretudo, para nós que vivemos o sacerdócio ministerial, de que o sacerdócio não pode ser reduzido só aos aspectos funcionais. O sacerdote que tem consciência de ser ministro de Cristo e da Igreja saberá encontrar na oração, no estudo e na leitura espiritual a força necessária para não transformar a caridade pastoral em simples funcionalismo. Aqui se aplica aquele famoso tripé: oração – estudo – ação.

A nova recepção do Concílio exige que ele seja tomado na sua totalidade do que foi o seu objetivo e do que quis ser a obra por ele deixada. Em nossas mãos está torná-la vida.

Parabéns Vaticano II pela juventude dos seus 45 anos!

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