Video

Slide do bloogger:

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Carta ao Pe. Wolfgang Hermann

Nossos corações experimentam, a cada ano da morte dos que já se foram uma vez mais, aquele aperto que vem da saudade dos nossos que já partiram. Esta saudade, muitas vezes, dói muito. Não é só uma dor. É uma lembrança que reaviva lições inesquecíveis de gratidão e amor, renova sentimentos que a ausência dos que se foram não pode obscurecer. Pelo contrário, essa lembrança nos coloca a todos na mesma condição humana. Todos nós morreremos. Todos nós, cedo ou tarde, numa ou noutra circunstância, experimentaremos a morte que nos tira deste mundo, ou leva a quem amamos muito. Daí que eu quis me recordar do inesquecível amigo de todos, o Pe. Wolfgang, no 4º ano de sua partida com esta carta que se segue:

São Paulo, 07 de abril de 2011.

Querido Pe. Wolfgang,


Passaram-se já quatro anos desde que o monstro Cássio Adriano de Figueiredo, de 19 anos, revestido de homem te assassinou em teu apartamento, a 10 de abril de 2007. Tu tinhas, então, 46 anos de idade. Pensava teu algoz que, ao cravar golpes de facas em teu corpo, após te vencer num corpo a corpo, condenaria tua memória ao esquecimento. Ignorava que, ao contrário dos egoístas, os altruístas jamais morrem. Sonhos sonhados na escola do Mestre de Nazaré não se confinam em gaiolas como pássaros domesticados. A estrela de tua vida brilha mais forte, a força dos teus olhos guia gerações nas veredas do Evangelho, teu semblante sereno e firme inspira confiança nos que se lançam na aventura do anúncio do Reino de Deus por amor e transformação. Teu espírito transcende as fronteiras da Alemanha, e é chama ardente que ainda hoje inflama o coração de muitos.

Mudanças radicais ocorreram nesses quatro anos. Vou te dar notícias de cada um daqueles que tu ajudaste a se encaminhar na vida.

Tu lembras aquele menino que um dia eu te mostrei lá na comunidade Chapada dos Bois? Que despontava entre os demais meninos da idade dele, com espírito de liderança? Pois bem, ele casou-se e é hoje uma grande liderança de nossa comunidade e continua na luta por melhores dias para o nosso povo, é agora sindicalista, e continua cantando na Igreja. Valeu o teu incentivo ao Nonato Silva, ele é uma figura promissora no futuro político de nossa Batalha!

Soube pelo próprio Reinaldo, que ele será pai. Ah! Sabia que ele casou-se com uma amiga minha de tempos de escola, a Neta, menina de grande inteligência, eles têm uma bonita casa na minha rua, na Zeca Alves. Ele vara noite adentro empenhado nos relatórios do programa “Bolsa Família”, do governo federal destinado as famílias pobres, fiquei feliz que ele me convidou para celebrar o Batismo da criança, que se fosse do sexo masculino teria o teu nome, em tua homenagem.

O Walder, este sempre me surpreende, gostaria que visse o progresso dele. Soube que ele era muito educado e prestativo quando trabalhou no Banco do Brasil, Batalha cresceu tem até agência própria. Da última vez que estive em Batalha, o vi de longe, mas parece manter aquela cordialidade de sempre aliada a uma grande presteza, tem um filho, não continua casado, e trabalha na Prefeitura, está bem!

O Manoel vive em São Paulo, é frade na Ordem dos Frades Mercedários, uma ordem religiosa espanhola, da qual pertenceu o bispo de Campo Maior, Dom Abel, já falecido também. Tive notícias por meio dele mesmo, via e-mail, que receberá a ordenação diaconal ano que vem e em julho próximo vai a Roma para fazer estudos, ele progrediu bastante, está mais maduro e com vontade mais explicita de se tornar padre. Interceda ai por ele!

O Chico está bem, mora em São Paulo, os dois irmãos do interior o e seu irmão também estão bem, o Lauro agora é fotógrafo da página de Batalha. Em resumo todos os que você quis encaminhar, e para isto, enfrentou duras críticas de algumas pessoas da comunidade, estão bem!

O Sanatiel, que tu o encaminharas pra o seminário dos Capuchinhos, não se tornou padre, mas é um excelente profissional, assim tive notícias dele!

O João Ana, não dirige mais para a Paróquia desde aquele tempo, está bem!

Dona Mazé não trabalha mais na casa paroquial, mas tive notícias que vai bem!

O Antonio Vieira está morando em Belo Horizonte, terminou a faculdade de gestão empresarial, com ênfase em relações humanas, continua amigo de todos, tem um bom trabalho e é muito bem relacionado na capital mineira.

A Paróquia de São Gonçalo tem agora um padre jovem e muito dinâmico, doado e trabalhador muito se assemelha ao jeito do Pe. Pinto, está sempre agindo com criatividade nos festejos, ele também nutri grande apresso por ti, ele me contou que muito da vocação dele nasceu de um encontro que ele teve contigo, em um dos festejos que tu animastes, ele é de Cocal, acho que tu te lembras é o Evandro, hoje Pe. Evandro.

A Paróquia vive tempos novos, muito empenhada nas Santas Missões Populares e na evangelização dos já batizados, como deseja o coração dos bispos expresso no documento da grande última Conferência realizada em Aparecida. Na amada Paróquia de São Gonçalo tua figura é sempre lembrada e muito apreciada. Sobretudo, o teu amigo Dudú e sua mãe dona Madalena, eles te amam!

As Irmãs Filhas de Sant’Ana, continuam lá distribuído bondade e amor. Ano passado estive com elas comemorando 25 anos da chegada delas em nossa terra, foi uma linda e inesquecível festa.

O teu algoz morreu afogado, ao tentar fugir de uma penitenciaria em Belém, quero entender que ele morreu afogado no próprio veneno, mas sei que teu coração de padre é capaz de perdoá-lo, porque o nosso Mestre nos ensinou o perdão. Mas a justiça dos homens foi feita, ele foi condenado pelo crime contra ti.

E eu fui ordenado Padre, já faz um ano e nove meses. Em uma linda liturgia, na presença de seis mil pessoas, junto de amigos e familiares, em Caeté - Minas Gerais no dia 06 de junho de 2009. Senti a tua presença, e sempre que celebro a Eucaristia memorial da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, sirvo-me do teu cálice que a tua família me presenteou, por isso em cada missa tu és lembrado por mim, com muito apresso!

Em dezembro passado lancei um livro, sobre a espiritualidade do grande místico francês, Charles de Foucauld, que tu também admiravas, foi lançado também em Batalha, na manhã do dia 29 de dezembro de 2010, na presença de amigos e familiares sentia a tua falta porque sei que isto muito te alegraria.

Após dois anos como pároco numa pequena comunidade, na cidade de Balbinos, no interior de São Paulo, diocese de Lins, agora me encontro em São Paulo, preparando-me para o Mestrado em Sagrada Escritura, a ser feito em tua terra, na Alemanha. Que sinal da delicadeza de Deus!

Teus pais têm me acompanhado em cada etapa da vida, recebi um e-mail deles, estão bem e pedem sempre que eu reze por ti. Estão avançados em idade, teu Pai completou oitenta anos, quando estiver lá, prometo fazer muitas visitas a eles.

Nosso amigo Pe. Ladislau esteve presente no dia da minha primeira missa em Batalha, no dia 14 de junho de 2009. Ele continua trabalhando pelos pobres e sempre incompreendido, inclusive dentro de nossa Igreja!

As comunidades do interior que tu amavas continuam na luta, algumas com boas estradas, e outras com as mesmas.

Wolfgang, muitos de teus receios se confirmaram ao longo desses anos, a nossa Igreja atravessa uma grande crise, os movimentos de espiritualidade se firmam com grande força. Com grande riqueza, mas também com enormes riscos: Num tempo em que a religiosidade orna-se de ruídos e jogos de efeito, a espiritualidade corre o risco de ser reduzida ao emocional, como tu sempre nos chamavas a atenção.

Alguns da Igreja de Batalha, Pe. Wolfgang abandonaram o amor aos pobres que, hoje, se multiplicam. Deixaram de se guiar por grandes sentimentos de amor para serem absorvidos por estéreis disputas partidárias e, por vezes, fazem de amigos, inimigos, e dos verdadeiros inimigos, aliados. Minados pela vaidade e pela disputa de espaços políticos, já não trazem o coração aquecido por ideais de justiça. Ficaram surdos aos clamores do povo, perderam a humildade do trabalho de base e, agora, barganham utopias por votos.

Quando o amor esfria, o entusiasmo arrefece e a dedicação retrai-se. A causa como paixão desaparece como o romance entre um casal que já não se ama. O que era “nosso” ressoa como “meu” e as seduções do capitalismo afrouxam princípios, transmutam valores e, se ainda prosseguem na luta, é porque a estética do poder exerce maior fascínio que a ética do serviço.

Teu coração, Wolfgang, pulsava ao ritmo de todos os jovens oprimidos e espoliados. Peregrinastes da Alemanha ao Brasil. Saístes todo o tempo de ti mesmo, incandescido pelo amor que, em tua vida, se traduzia em libertação. Por isso podias afirmar, com autoridade, que “é preciso ter uma grande dose de humanidade, de sentido de justiça e de verdade para não cair em extremos dogmáticos, em sentimentos frios, em isolamento das pessoas. Todos os dias é necessário lutar para que este amor à humanidade viva se transforme em fatos concretos, em gestos que sirvam de exemplo, de mobilização”.

Tu nos ensinaste um dia que o ser humano é o “ator desse estranho e apaixonante drama que é a construção do homem novo, em sua dupla existência de ser único e membro da comunidade”. Com o teu agudo senso crítico, cuidaste de advertir-nos de que a Igreja não é simplesmente uma “arca de salvação”, em que a gente se abriga para se salvar, enquanto os outros perecem nas águas do dilúvio. A Igreja é muito mais um “sacramento de salvação”, presente, portanto, no mundo como sinal e instrumento de salvação para todos. A Igreja é “sal”, para condimentar toda massa humana e preservá-la da corrupção. É fermento para levedar o mundo, transformando a massa indigesta dos egoísmos no pão saudável e nutritivo da fraternidade. É “luz” que deve brilhar para que a casa do mundo se ilumine e ninguém caminhe no escuro.

Apesar de tantas derrotas e erros, tivemos conquistas importantes ao longo desses quatro anos. No Brasil, o Partido dos Trabalhadores chegou ao governo de novo com a eleição da primeira mulher presidente na nossa história; no Piauí as velhas raposas se deram as mãos e continuam no poder. Em Batalha temos um governo que precisa fazer as grandes mudanças de nossa cidade e o tempo é agora, se perdemos esta chance histórica seremos condenados ao atrasado desenvolvimentista, um governo que cumpriu pouco do que prometera, esperávamos mais! Na próxima eleição esperamos que as bases já amadurecidas apresentem alternativas, chega de rodízio oligárquico!

A Igreja avança confiante nas pegadas do Mestre, errando aqui, acertando ali, caminhamos nas sendas da história, certos de que a Igreja está defendida por fora até contra “os poderes do inferno” (Mt 16,18), segundo promessa de Jesus, o nosso medo está em não sermos bastante fiéis a Ele e de perder a força do sal e do fermento. Por isso, o seu empenho em renovar-se. Para ser uma Igreja viva. Para não ser apenas um conjunto de cânones e de ritos. Para não ser apenas exatidão de quadros burocráticos que pregam ao vento, mas ser Igreja discípula missionária, para isto o nosso empenho tem que ser permanente, competente e consciente.

De onde estás, Pe.Wolfgang, abençoes todos nós que comungamos teus ideais e tuas esperanças. Abençoes também os que se cansaram, ou fizeram do Evangelho e do sacerdócio uma profissão em benefício próprio.

Mas, sobretudo, nos ensina que a experiência da morte é próprio da nossa condição. Morrer, no entanto, não é tudo. Remetidos ao mais profundo dos nossos corações, fonte dos nossos sentimentos e dos valores que emolduram nossas mentes e escolhas, a realidade da morte nos permite aprender uma das mais importantes lições da nossa vida: a invisibilidade dos nossos entes que partiram não é ausência, mas sim uma lição fecundada pela saudade que não passa, pelo amor inesgotável e pela lembrança perene. Estão invisíveis, mas não estão ausentes.

Considero uma feliz coincidência que este 4º ano de sua partida seja celebrada no 5º domingo da quaresma quando ouvimos o Evangelho segundo São João, (Jo 11,1-45) que relata a ressurreição de Lázaro, cuja mensagem é clara: os verdadeiros amigos de Jesus não morrem!

Pe. Wolfgang: “A morte não é verdade para quem viveu bem a vida!”. Até a eternidade!

Com saudades,

O seu amigo Pe. Leonardo de Sales e comunidade paroquial de Batalha.

2 comentários:

  1. Penélope Machado Tabatinga13 de abril de 2011 às 18:21

    Formada em Letras/Literatura, comento a carta da seguinte forma: leiam devagar, jovens, para bem absorver. Conheci Pe. Wolfgang, a quem guardo no coração e memória, e a 'malinha para atravessar o segundo milênio', até hoje tenho. Parabéns, Pe. Sales, pela prodigalidade. Sua bênção. Penélope Machado Tabatinga.

    ResponderExcluir
  2. Haviam três pessoas com quem eu conversava que a as horas voavam. Por que tinham sempre coisas boas para dizer e ensinar, eram elas o meu saudoso amigo Afonso, o meu querido professor de filosofia Pe.Pinto e o sábio de sandálias Pe.Wolfgang. Leonardo eu queria ter escrito essa carta a ele, mas você fez melhor do que eu faria. Eu pediria que o Pe.Wolfgang enviasse essa carta ao coração a cada um dos nossos queridos batalhenses.
    Ronaldo Torres

    ResponderExcluir